José Luiz de Magalhães Lins

Crônicas e Artigos

Diário de Pernambuco – Antonio Maria Filho

Antonio Maria Filho fala sobre a relação do pai com Di Cavalcanti, Juscelino Kubitschek e Danuza Leão

13 de Outubro de 2014

“O filho de Antônio Maria herdou do pai não só o nome, mas também a profissão. Pouco antes de morrer, em 15 de outubro de 1964, há 50 anos, o jornalista, cronista, compositor e boêmio pernambucano o estimulou a procurar emprego.

Ele era caixa-bancário e almejava um emprego como tesoureiro, mas Alberto Dines, então presidente do Jornal do Brasil, riu da proposta. “O quê? Filho do Maria tem que ser jornalista. Você vai para redação”, disse o futuro empregador.

Passados tantos anos – e agora aposentado, após acompanhar nove Copas do Mundo como jornalista esportivo – Antônio Maria Filho escreve um artigo sobre o pai com exclusividade para o Viver.

 

Leia a íntegra do texto:

“Nasci em Palmares (PE), na Usina Pirangi. Mariinha, minha mãe, resolveu descansar antes da data do parto. Porém, resolvi dar o ar da graça antes. E ela sequer teve tempo de voltar para o Recife a fim de me parir. E, embora prematuro, eu, filho do grande (grande mesmo), nasci com mais de cinco quilos. A parteira sofreu, mas felizmente tudo deu certo.

Pouco tempo depois, papai foi trabalhar em Salvador. E para lá fomos. Tive o privilégio de ser ninado muitas vezes por Marta Rocha, nossa vizinha, ainda  pré-adolescente.

Quando partimos para o Rio de Janeiro, fomos morar em Copacabana, Depois, passamos a residir no bairro Jardim Botânico. Naquela época, início dos anos 1950, parecia uma cidadezinha do interior. Papai curtia o lugar. Da janela do quarto que se transformou no seu escritório, avistava o Cristo Redentor.

Nossa casa era frequentada por ilustres personagens. Um deles, o pintor Di Cavalcanti, estava sempre lá. O velho Maria fazia questão de pedir à minha mãe que tocasse determinada música, com a qual Di Cavalcanti imitava a entrada das ‘coristas’ nos espetáculos da época. Todos morriam de rir.

Vinicius de Moraes, Rubem Braga, Dorival Caymmi também conviviam conosco e também eram visitados por nós, quase sempre na parte da tarde. E muitas vezes papai fez questão de levar a mim e a minha irmã Maria Rita com ele. Eram tardes agradabilíssimas. Mesmo ainda muito menino (em torno de 10 anos), eu adorava o programa. Até porque papai era espirituoso e a gente morria de rir com a conversa deles.

Naquela época, a gente ainda podia jogar futebol na rua. De vez em quando, papai me pegava na rua jogando bola, falava para eu entrar no seu “Cadillac” conversível e me levava para passear. Às vezes parava num restaurante e, embora eu estivesse suado, sem camisa e apenas de calção, ele não se apertava: quando chegávamos na mesa onde estavam seus amigos, ele colocava um guardanapo nas minhas costas e pronto, tudo resolvido. Nas primeiras vezes, eu morria de vergonha.

Numa outra ocasião, um carro emparelhou com o nosso, o motorista deu uma buzinadinha e o “senhor”, sentado no banco de trás, acenou para nós.

Perguntei-lhe: “Papai, quem é esse moço? A cara dele é conhecida”. Não podia imaginar que fosse realmente o Presidente.

– É o Juscelino Kubitschek.

– O presidente? – perguntei.

– Claro, gente da melhor qualidade – completou papai.

O tempo passou, ele se casou com Danuza Leão e foram morar nas Laranjeiras. Eu e Rita gostávamos muito dela, até porque Mariinha, minha mãe, jamais criticou papai por causa da separação. Mas o Maria passou a enfrentar problemas de saúde. Sentia muitas dores nas costas. O médico dizia que era em razão de um “bico de papagaio” (coluna vertebral).

Ele sofreu demais. Havia noites em que não conseguia dormir e ficava sentado numa cadeira. Quase dois anos depois, procurou um outro médico, que não teve dúvidas em afirmar:

– Maria, essas dores não são na coluna e sim causadas por um problema cardíaco e você está tendo um enfarte agora.

Como nunca tratara o coração (e sim a coluna) o enfarte foi violento. Ele padeceu, mas se recuperou. Claro, sua vida mudou por completo. Parou de fumar, de beber com os amigos e a noite deixou de ser uma “criança”, como ele gostava de dizer.

Preocupado comigo e nossa família, certamente pressentia que estava perto do fim, perguntou-me se eu queria trabalhar. Passei a estudar à noite e fui trabalhar no Banco Nacional de Minas Gerais, cujo diretor, José Luiz Magalhães Lins, era seu amigo. Eu tinha 17 anos quando me tornei bancário. E, ainda jovem, aos 43 anos, papai nos deixou. Percebi que precisava aumentar meus rendimentos. Não sabíamos quando poderíamos receber o seguro de vida.

Procurei José Luiz Magalhães Lins e pedi a ajuda dele para arranjar um emprego para eu trabalhar à noite.

– Olha – disse-me – à noite só em jornal. Conheço o Nascimento Brito (diretor presidente do Jornal do Brasil) e ele vai nos ajudar.

Dito e feito: dias depois, fui orientado para procurar o Nascimento Brito na sede do JB, que ficava na Avenida Rio Branco, quase em frente à agência bancária que eu trabalhava. Bastava atravessar a rua. Chegando lá, fui encaminhado pelo “Dr. Brito” para falar com Alberto Dines. Eu achava que iria trabalhar na tesouraria, já que eu era caixa-bancário.

Alberto Dines riu quando lhe falei sobre a tesouraria e disse-me:

– O quê? Filho do Maria tem que ser jornalista. Você vai para redação. Pode procurar o Carlos Lemos.

 

Como fui promovido no jornal, larguei o Banco Nacional e trabalhei como jornalista até 2008, quando me aposentei pelo Globo, depois de cobrir nove Copas do Mundo.

Ah, ia esquecendo. Lá se vão 50 anos (meio século), eu me aposentei e minha família ainda não conseguiu receber da Sul-América, o seguro de vida do papai. Pelo menos, o caso não prescreveu e continua na justiça. De repente, tudo será resolvido antes do centenário da morte do meu querido pai”