José Luiz de Magalhães Lins

Perfil

Perfil de José Luiz de Magalhães Lins, por Humberto Braga, Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ e Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro
Março de 1992

Charme, simpatia, cordialidade, simplicidade ao primeiro contato. Mas, se mostra o espírito, através da agudíssima inteligência e sabedoria de duzentos anos, não mostra a alma. Esta é insondável ou indecifrável. Isso não ocorre por dissimulação deliberada, propósito definido de ocultar as tendências profundas e a própria elaboração do pensamento ou os juízos sobre o interlocutor. Isso se dá naturalmente, pois a alma é de fato misteriosa. A verdadeira personalidade mantém-se inapreensível, sem qualquer esforço nesse sentido. O interlocutor depara-se com uma impenetrabilidade cordial e freqüentemente afetuosa. A sabedoria, que se patenteia por vasto conhecimento do mundo, da vida e dos homens, adveio menos da experiência que da intuição. São marcantes o ceticismo e o pessimismo. Duvido que creia em Deus, mas certamente não crê nos homens, isto é, no gênero humano. Mas nesse ceticismo amável, nesse pessimismo risonho, não há nenhum azedume, nenhuma amargura, nenhum ressentimento. Por isto, é pouco propenso a surpresas ou desapontamentos. Parece que nada realmente o choca ou surpreende, pois não aguarda o melhor. Já ajudou a muita gente, mas não espera gratidão e talvez nem acredite nela. Está sempre pronto a ajudar os amigos que se defrontam com reais problemas, mas não gosta de empenhar-se na defesa de pretensões pouco relevantes. Encampar qualquer pedido, não só lhe parece um desgaste pessoal desnecessário, como envolve o risco de vê-lo recusado, o que comprometeria sua imagem de homem poderoso e influente. Valoriza, portanto, o seu patrocínio, pois sabe que quem se dispõe a apoiar as solicitações de todos, não tem verdadeiro interesse pelo pleito de ninguém. Embora com elegância e muita discrição (como bom banqueiro que foi), cuida sempre, nas suas relações pessoais, de colocar-se na posição de credor e não na de devedor (também como bom banqueiro que foi).

Alguma vez terá sido realmente moço, isto é, abrigou as ilusões, os sonhos, as esperanças ardentes típicos da mocidade? É um Machado de Assis sem literatura. De quem gosta mesmo? Em quem realmente confia? De quem precisa para conviver? Pois se convive com muitos, é basicamente um solitário, refratário a confidências e a “abertura de alma”. Por isso, apesar da cordialidade, não toma nem facilita grandes intimidades. É admirável o seu conhecimento intuitivo e instantâneo das pessoas. Ao primeiro contato faz delas um juízo imediato e quase sempre certeiro. Notável também é a sua capacidade de extrair confissões e informações dos outros sem revelar nada de si. E consegue isso sem incorrer em indiscrição ou manifestar curiosidade indevida. Parece bastar-se a si mesmo e, no entanto, gosta de saber de tudo. Todavia disfarça maravilhosamente esse interesse. Não tem nenhuma dificuldade em dizer o que não pensa, mas jamais mente e quase nunca se compromete. Mas, quando o faz, honra o compromisso. Ninguém o apanha em falsidade ou deslealdade. Não se compraz na calúnia ou na maledicência. É capaz de ajudar a quem não admira e de admirar a quem não estima. Essa última faceta revela um julgamento justo, equilibrado e razoável. A própria moderação e ausência de paixão são espantosas. Parece compreender bem o ponto de vista de um adversário, sem deixar de opor-se a ele. Compreende tudo, sem que isso implique o perdão. Se não revida às ofensas, também não as perdoa. Pode esquecê-las. Tolerância nas opiniões, indulgência para com as fraquezas e os erros, firmeza e tenacidade nos objetivos. Emocionalmente tenso, intelectualmente frio. Permanentemente pragmático e às vezes implacável, pode destruir adversários, mas não resvala para a indecência ou a sujeira. Detesta brigas, sobretudo por pequenas causas. Na sua objetividade e no seu pragmatismo, só admite as grandes brigas, mas prefere as fórmulas de negociação e conciliação. Não é extremado em nada. Insensível ao ódio e totalmente desinteressado de vingança, não costuma tripudiar sobre um antagonista vencido e muito menos perseguí-lo. Não é de dar murro em ponta de faca, nem tem arremessos de quixotismo, mas é capaz de atitudes de grande firmeza, certamente penosas, como ocorre nas suas relações com o tio e o Antonio Gallotti.

Embora não seja um estóico, jamais se entrega a lamúrias. Mais para alarmado do que para displicente, porém se esforça em ocultar seus receios e preocupações. Nem sempre consegue disfarçar sua preocupação, mas não revela o que o preocupa. Não negligencia nada e se lembra de tudo. Se deixar de fazer algo, não terá sido por esquecimento ou descuido, e sim por omissão deliberada. Sábio desenganado, tem certo carinho ou complacência com D. Quixotes imaturos ou arrebatados, embora lamente os problemas inúteis que eles criam. Se nem sempre é generoso, jamais é cruel. Nenhuma vaidade e tremendo orgulho. E esse orgulho o faz sensibilíssimo a muitas coisas. Humildade aparente e desarmante, mas autoritarismo real. É fundamentalmente um autoritário e ama o poder. Muito ambicioso, tem horror a aparecer. Detesta a luz da ribalta, contentando-se em atuar nos bastidores, como notória eminência parda. Cultiva a própria legenda. Não quer aparecer, mas gosta que os outros saibam que ele é poderoso e influente. Tem horror ao comunismo sem nenhum horror aos comunistas individualmente. Como não cultiva o rancor, quando briga com alguém, não pensa mais nele, até por pragmatismo. Preocupado sobretudo com a própria vida e a dos seus, mas interessado em tudo, menos em futilidades sociais. Nenhum gentleman o suplanta em cortesia e na paciência de ouvir. Não sendo homem de formação universitária, tem a paixão da inteligência e uma grande atração pelos assuntos e problemas intelectuais culturais. Apreende e assimila os temas que conhece pouco, ou com os quais tem pouca familiaridade, com pasmosa facilidade. Tem sobretudo um excelente “feeling” e jamais comete gafes. É capaz de fazer o interlocutor ver ou reconhecer desagradáveis verdades ou realidades, sem utilizar palavras ásperas ou contundentes. Na sua prudência, não vê vantagens na chamada franqueza.

Enfim, um homem, ao mesmo tempo, tenso e frio, pragmático e orgulhoso, astuto e sensível, tudo isso revestido de grande charme e incomparável habilidade. Não cultivando o moralismo sexual, é puritano e austero na vida pessoal e sobretudo na da família, mas de modo discreto. Muito ciumento. Consegue o milagre de ser excêntrico sem ser grotesco ou ridículo.

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Espírito é o campo da inteligência, do raciocínio, do argumento, do conceito, do juízo. Alma é o campo das tendências e inclinações profundas, das emoções positivas ou negativas, dos sentimentos construtivos ou destrutivos, das paixões, das frustrações, das angústias, do ódio e do amor, das fraquezas e dos impulsos, dos anjos e dos demônios. Em J.L. se vê o espírito, não se vê a alma. Percebe-se que tem problemas antigos que não foram totalmente superados. Um deles é o de não ter tido formação universitária, pertencendo a uma família de gente ilustre e famosa. Tratou de compensar isso com o seu grande triunfo na vida. Naturalmente desconfiado, hiper-dotado de inteligência e sem nenhuma boa-fé, é muito difícil enganá-lo, tanto mais quanto é imune à bajulação. Adulá-lo é perder tempo, esforço malogrado. O homem não é vaidoso, é orgulhoso. Elogiá-lo para assim obter algo é pura besteira. É vir com o milho quando ele já está com o fubá. Enfim, em J.L. há muita perspicácia e nenhuma ingenuidade.

Janeiro de 2005

José Luiz de Magalhães Lins é, sobretudo, um homem muito inteligente. Inteligência significa rápida compreensão dos problemas, situações e capacidade de discernir, em cada caso, o relevante do irrelevante. É precisamente o que ocorre com ele. Acentuem-se ainda a perspicácia e a argúcia na avaliação dos homens. Mas essa inteligência não se confina ao campo da atividade prática e operacional. É surpreendente como um banqueiro, um homem que passou toda vida no mundo intrincado dos negócios financeiros, sem ter feito curso superior, possa ter tantos e tão diversificados interesses intelectuais e culturais. Sua curiosidade maior se concentra nos domínios da História e da Literatura, sobre as quais lê infatigavelmente como um verdadeiro amoroso das coisas do Espírito.

Sempre amável, paciente, sorridente, José Luiz não revela a sua “alma” ao interlocutor. Mas há algo que ele não consegue ocultar: o seu ceticismo. Mas esse ceticismo não é amargo, cruel e, sim, bem humorado, gentil, quase afetuoso. José Luiz venceu na vida, mas continua sendo, não só um cético, mas um pessimista risonho. Essa visão do mundo parece básica na sua personalidade. Traço marcante no seu convívio é a verve. Uma verve espontânea, não elaborada e principalmente despojada de azedume.

Ele é muito mais orgulhoso do que vaidoso. Absolutamente refratário a confidências, expansões afetivas, crises sentimentais, abandonos de alma, etc.

Tem um pudor psicológico que inibe tais manifestações. Também não se concede a autopiedade. Jamais é atraído para o coro das lamentações, dos queixumes, dos sentimentos de culpa, das autoflagelações. Não esconde a admiração, mas oculta a emoção.

Na vida pessoal, gosta das suas coisas muito certas, muito definidas, muito precisas. Negligência para ele é o maior dos pecados. Isso quer dizer intenso sentimento de responsabilidade. Eis porque não é, nem pode ser, blasé, displicente, descontraído. Ao contrário, é um homem bem sucedido, mas freqüentemente tenso e atento a tudo.

Dá importância a um número grande de coisas desdenhadas por muitos.

No convívio habitual é brando, conciliador, razoável, mas, no fundo, é um autoritário.

Não tenho dúvida de que, estando ele à testa de uma organização de comando vertical, avultaria nítida a sua personalidade autoritária, isto é, a de um homem firmemente decidido a impor sua vontade. E, ferido no orgulho, pode ser duro e intransigente.

Enfim, tudo isso faz de José Luiz de Magalhães Lins um homem que não se auto-ilude e a quem não é fácil iludir, pois está sempre numa vigilante posição defensiva.