José Luiz de Magalhães Lins

Curiosidades

Entrevista com José Aparecido de Oliveira

Jornalista, Deputado Federal, Governador de Brasília e Embaixador em Portugal

Ao Jornalista Marcel Souto Maior

15 de Outubro de 2001

“- passamos um dia inteiro juntos. Saímos de Belo Horizonte e fomos para Conceição do Mato Dentro num monomotor que trepidou forte durante toda a viagem. Dona Leonor nos acompanhou. Foram dela os primeiros comentários sobre JLML: “Adoro ele, tenho a maior admiração. Ele é muito autêntico, muito diferente. Não faz concessão nenhuma.”

– durante a viagem de carro até o aeroporto, algumas revelações informais. José Aparecido foi quem representou a família Lins no encontro que selou o desligamento de JLML do Banco Nacional. Dr. Magalhães Pinto e JLML não estavam presentes. “Era eu de um lado e os representantes da Brascan, da Light, do outro lado da mesa. O Galotti e o Lamy. José Aparecido vincula os dois à multinacional, ao “polvo canadense”.

– A ruptura em 1972. – “Magalhães Pinto sofreu muito”, ele afirma. “José Luiz era um filho-sobrinho e tinha todo o desempenho de filho mais velho, mas – você sabe – os filhos de Magalhães Pinto também cresceram.” Segundo José Aparecido, Magalhães Pinto não fez nenhuma opção. “Os filhos dele “fizeram a opção”. José Aparecido acha que, com a separação de Magalhães Pinto (que JLML tratava de “tio Juquinha”), JLML acabou projetando a figura paterna no Galotti. José Aparecido rejeita a hipótese de “ciúme” dos primos em relação a JLML. “Não houve nada intencional. JLML queria firmar a liderança dele, a autonomia dele, tem toda a razão, mas esbarrou na resistência dos primos”, ele diz. José Aparecido diz que JLML foi fundamental para que a família de Magalhães Pinto tivesse o controle acionário do grupo. “A estratégia de compra de ações, toda a operação foi liderada por ele. E claro que Magalhães Pinto estava por trás, mas ele foi fundamental.” José Aparecido se orgulha de nunca ter aceitado uma ação do banco. “Sempre me ofereceram, mas eu nunca aceitei”. Por quê? Diante da pergunta, ele se inflama e, como velho político mineiro, afirma ”Eu nunca quis dinheiro, nunca. Sempre quis ser um homem público. Esta era a minha meta. Fui deputado federal, governador, embaixador, ministro e agora – pode ter alegria maior? – meu filho foi eleito prefeito da minha cidade com 26 anos. O prefeito mais jovem de Minas. Tem alegria maior? Preciso de uma casa maior do que esta?”.

– Uma indiscrição – a tela de Guignard presenteada a Celso Bulhões de Carvalho foi presente de casamento de Marcos Magalhães Pinto a Nininha e JLML.

– Sobre Dona Berenice – Dona Berenice era discreta, solene, religiosa. Era protestante e fazia os meninos lerem a bíblia toda noite antes de dormir. Quando Magalhães Pinto resolveu se casar com ela, impôs duas condições: 1) a religião dos filhos seria a católica. 2) “Minha mãe tem sempre razão. Sempre.” Dona Berenice concordou com as duas condições. Na biblioteca de José Aparecido, encontrei um livro com dedicatória de Magalhães Pinto a Dona Berenice. Era um exemplar de “O profeta”, de Gibran Khalil Gibran. A dedicatória: “A querida Berenice, sempre primaveril, oferece quem tem saudades da primavera, Seu Magalhães.” A data: 5 de julho de 1972 (ano da saída de JLML do banco).

– Sobre Juca Pinto – era um boêmio e Magalhães Pinto tinha muita admiração por ele. No saguão do Banco Nacional, logo na entrada do banco, MP mandou colocar uma mesa com cadeira de espaldar alto só para o coronel Juca Pinto. “Lá ele conversava com os amigos dele, recebia pessoas”. José Aparecido diz que Magalhães Pinto “teve grandes dificuldades com o pai”. Dona Maricota era muito religiosa, austera, severa e Juca Pinto era o contrário. Aparecido se lembra de uma história que pode traduzir a personalidade do velho coronel.

Durante a campanha de Milton Campos para o governo de Minas, Magalhães Pinto e Monteiro de Castro fecharam um acordo para ter o apoio do PC à candidatura do Milton Campos. Eram quase 2 horas da manhã e eles estavam conversando sobre a repercussão desta aliança entre os mais conservadores da UDN quando Juca Pinto chegou. “O que o senhor acha?”, perguntaram. Juca Pinto devolveu a pergunta: “Quantos votos os comunistas têm?” Ao ouvir a resposta, ele levou a mão na boca e jogou um beijo estalado no ar. “Um beijo para os comunistas.”

– Sobre JLML – Muito determinado, muito organizado, de uma extraordinária curiosidade. “Numa certa época, contratou uma, pessoa para ler livros e fazer resumos para ele. Tinha mania das técnicas americanas e mandava alguém traduzir os livros sobre o assunto pra ele.” José Aparecido compara JLML a Jair Lins, que foi um grande advogado, um grande fiscalista, que fez uma fortuna imensa em Belo Horizonte. Ele diz que os Lins são todos “metódicos” e cita uma frase de Miguel Lins sobre JLML: “Todo Lins tem uma mania. José Luiz tem todas.” Miguel Lins, que era boêmio, muito divertido, achava graça do temperamento de JLML. e do hábito de ele usar só roupa preta – “terno, gravata, sapato, tudo”. “José Luiz é uma personalidade fascinante”. Um amigo sempre dizia: “Dona Alicinha fez o JLML e perdeu a forma.” Já no tempo em que conviviam, JLML pensava em comprar um carneiro no São João Batista e dizia: “Vou comprar na Vieira Souto do cemitério.” E comprou. Pensava tanto no enterro que tinha até uma lista com o nome das pessoas que iam segurar a alça do caixão dele. Outra mania: fichava tudo. Uma lembrança pessoal: ele tinha uma namorada na 5 de julho e ia com o carro do banco buscar a namorada em frente ao edifício. O motorista ficava na esquina à espera e só ia até o prédio quando ela aparecia na rua. JLML era muito dedicado ao MP, muito próximo. “Temperamento de paixão”, ele diz. JLML modernizou, ampliou o Banco Nacional. “Era um trabalhador tenaz. Não sabia fazer outra coisa. Tinha devoção pelo tio, que substituiu o pai que morreu muito cedo.”

– Sobre Magalhães Pinto – “Um homem de inteligência incomum, espírito de tolerância raro, dava soluções criativas naturais. Era conciliador, mas muito firme, determinado.” Era uma pessoa aberta, sem preconceitos. Era um progressista. “Minhava fidelidade a suas origens de homem do interior de Minas, de família pobre mineira. Num texto de campanha, em que definia a história da UDN, José Aparecido definiu Magalhães como “um operário de si mesmo”. Otto, brincando, disse: “Só desta maneira um operário pode entrar na história da UDN.” Apesar de ter um conglomerado de empresas, de ser dono de banco, ele era muito simples, muito natural. “Fazia tudo com absoluta transparência, sem segredos.” Miguel Lins brincava: “O Magalhães não sabe comer, não sabe beber e o resto… a gente não sabe se ele sabe fazer.” O grande projeto de MP era mesmo ser presidente da República. “Mas para ser presidente é preciso que todos os astros estejam a favor.” Com banqueiro, ainda no Banco da Lavoura, MP criou o crédito pessoal, criou as agências abertas. “O velho era cabeça aberta”, ele diz.

JLML / Magalhães Pinto – JLML aprendeu muito com o tio. Aprendeu o “sentido ético”, o “compromisso moral que MP manteve durante toda a vida, “inclusive nas negociações com ele, SLML, no final.” JLML, assim como o tio, não é um capitalista selvagem. Pôs a vida entre os parâmetros da ética, da dignidade. “Como o tio, ele também não sabe comer, não sabe beber.” Magalhães Pinto levava uma vida de austeridade absoluta, de modéstia

absoluta. JLML também é austero. “Tenho grata lembrança dele. Tenho respeito e admiração pelo destino que ele cumpriu.”

– O movimento de 64 – com 34 anos, deputado federal, José Aparecido era contra o golpe militar. As vésperas do golpe, Magalhães Pinto, que era governador de Minas, mandou buscar José Aparecido em Conceição do Mato Dentro onde ele estava. José Aparecido foi levado de jatinho ao Palácio da Liberdade e encontrou no gabinete do governador Magalhães Pinto, Marcos, Eduardo e Dona Berenice. No caminho para o Palácio, viu o movimento de tanques na rua. Magalhães Pinto, então, deu a notícia: “Nós estamos desencadeando o movimento para depor o Presidente da República.” José Aparecido perguntou: “E quem vai ser o presidente?” A resposta: “Isto eu não sei.” José Aparecido, então, reagiu: “Como o senhor não sabe? O senhor vai abrir mão de suas prerrogativas de governador de Minas para se tomar interventor em Minas?” Dona Berenice interferiu: “Tô estranhando o senhor. Como o senhor acha que este homem, Jango, pode ser presidente da República? Esta situação não pode continuar.” José Aparecido, então, reagiu: – “Este problema não é de pessoa. É de instituição. Ninguém lesa impunemente a figura do presidente da República. Estas coisas a gente sabe como começam, mas não sabe como acabam” Encerrou o discurso dizendo: “Vou ficar contra o movimento. E lembre-se, governador, tenho hoje a idade que o senhor tinha quando assinou o Manifesto dos Mineiros. Tenho 34 anos.”

– Preocupação de Magalhães Pinto: Magalhães Pinto estava preocupado com a segurança de José Aparecido. “Você vai pra onde?”, perguntou. “Vou para o aeroporto. Vou reassumir meu mandato em Brasília”, respondeu José Aparecido, que era vizinho do general Carlos Luís Guedes, comandante da Infantaria Divisionária da Quarta Região Militar em Belo Horizonte, um dos chefes militares da “revolução”. “Ele não me disse, mas estava preocupado com o risco de eu ser preso pelo Guedes.” Semanas antes, no dia 4 de março, José Aparecido, que era secretário de governo na época, tinha discutido com Guedes no palácio do governo. Na ocasião, Guedes acusou Aparecido de subversão por pregar uma política de tolerância com relação ao presidente. Depois da briga, José Aparecido pediu exoneração do cargo de secretário de governo. “Agora mais do que nunca preciso sair. Tenho uma tribuna da Câmara Federal e um jornal para fazer minha defesa.” No lugar dele, entrou Osvaldo Pierucceti, que se engajou no movimento contra João Goulart. Magalhães Pinto sabia que José Aparecido poderia ser preso mesmo pelo general Guedes e pediu, então, para Marcos e Eduardo o acompanharem até o aeroporto.

– A perseguição após o Movimento de 64 – O poder e a influência de Magalhães Pinto não foram suficientes para proteger o amigo durante muito tempo. Após a vitória do movimento militar, José Aparecido teve cassado o mandato e suspensos os direitos políticos por dez anos, no dia 10 de abril, por força do Ato Institucional número 1. Foi uma punição contra o envolvimento dele na luta contra o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, o IBAD, organização anticomunista fundada em 1959 e financiada por empresários brasileiros e estrangeiros. O IBAD – um dos núcleos contra o governo de Jango – acabou sendo dissolvido por determinação do Poder Judiciário em dezembro de 1963. José Aparecido pagaria caro por isto cinco meses depois.

– Uma curiosidade: em pleno 1964, cassado, José Aparecido foi homenageado pelo Brigadeiro Délio Jardim de Mattos. Ele mandou construir um aeroporto em Conceição do Mato Dentro, onde a mãe de José Aparecido estava morando. “Precisamos de uma pista de apoio para Confins”, ele justificou e, para completar, batizou o aeroporto de “Governador Magalhães Pinto”. Quando Magalhães soube, brincou com o militar: “Você usou meu nome para justificar, mas eu preferia ver um aeroporto em Santo Antônio do Monte ou em Arcos.”

– O rompimento dele -com Magalhães Pinto – José Aparecido ficou “sem falar” com Magalhães Pinto durante sete anos depois do golpe militar. Durante todo este tempo, ele diz, a postura de JLML foi de solidariedade. “José Luiz ficou no plantão de solidariedade permanente e afetuosa. Sempre quis saber se eu estava bem, sempre se colocou do meu lado.” Ele se lembrou de uma oferta: verba para a criação de uma agência de publicidade. Otto levou a proposta a ele. JLML teria dito que podia articular o negócio com um parente, que tinha uma firma de publicidade (era a firma do Delphim? A Look?), e que estava

disposto a investir X.” Otto brincou: “Com esta importância, a gente nem começa. Só termina.” As negociações não foram adiante. Logo depois do golpe, sem o cargo e o salário de deputado, José Aparecido se tornou presidente de uma editora montada por Fernando Gasparian: a editora Saga. Só sete anos depois, em 1971, ele voltaria ao Banco Nacional.

– A briga entre Lacerda e Magalhães Pinto – ele acha que foi em 1959/ 1960, quando os dois disputavam a presidência da UDN. Vamos apurar nos jornais. A estratégia de Lacerda era jogar Jânio contra MP.

– Uma lembrança mal contada – um dia, quando o clima no Banco Nacional já não era o mesmo, JLML falou para o Marcos: “Queridíssimo, você já percebeu que nós já não estamos mais voltando para casa juntos?”

– Sobre Evandro Carlos de Andrade – “é um ser moral. Uma pessoa extraordinária.”

– Sobre Jânio Quadros – “Ele mesmo falou na época: não é renúncia, é denúncia.” José Aparecido rejeita totalmente a tese de que Jânio renunciou com a esperança de voltar à presidência, com o apoio da população, com plenos poderes, livre dos limites impostos pelo Congresso Nacional. “Não havia mais condições de governo. Se ele quisesse ter dado o golpe, teria dado. Tinha o apoio dos militares – eu vi”. Segundo Aparecido, Jânio nunca se arrependeu. “Se ele não tivesse sofrido o acidente vascular, teria voltado à presidência da República no fim da vida”. Aparecido confirma o apoio de Roberto Marinho à campanha e ao candidato. Uma frase divertida de Jânio quando leu um livro, uma biografia escrita por um político da época, o Castilho Cabral: “Ele pôs a alma no melhor ângulo para o flash dele mesmo.”

– Confirmando a história contada por Fernando Barbosa Lima – sim, José Aparecido acha que pode ser verdadeira a versão de que Jânio, em comício ao lado de Magalhães Pinto e Milton Campos, rejeitou aparecer ao lado do banqueiro” em rede nacional de TV. “Você acha que eu, um homem de esquerda, vou aparecer do lado de um banqueiro?” José Aparecido teria negociado com Magalhães Pinto. “Ele teve mais votos do que Jânio em Minas”, lembra. “MP não era bobo Ele precisava do apoio de Jânio.” José Aparecido se lembra do slogan. “Jânio vem. Magalhães também.” outro: “Vote nos três.”