ENTREVISTA DE EDESON ERNESTO COELHO
Luciana Heymann
17 de junho de 2004
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… Não precisava dar lucro porque a LTB bancava. Na minha hora, não precisava dar lucro, eu vendi tudo que tinha e fiquei a zero do que eu ganhei no Jornal do Brasil. Foi uma loucura. No último número, o sujeito falou: “Ou paga agora ou não entrego.” Nós fomos lá tentar roubar três números para o arquivo. Eu fui – não sou mais porque nos afastamos – mas eu era um bom amigo de Zé Luís Magalhães Lins, que era a grande figura do Banco Nacional de Minas.
L.H. – Magalhães Lins ou Magalhães Pinto?
E.C. – Magalhães Lins. Ele era a família torta do Magalhães Pinto.(88) Ele era filho de um irmão pobre, de uma tia pobre, de um avô pobre, mas graças ao talento, à capacidade e à neura dele – era um neurótico que eu nunca vi na minha vida, nem o Howard Hughes era tão neurótico em termos de assepsia da sala dele, sem papel na mesa, não pegava… Eu também não pegava na mão de ninguém, nem beijava. O Zé Luís e eu fizemos amizade, eu no Jornal do Brasil e ele lá. E ele era o grande… o Zé Luís Magalhães Lins, pelo Banco Nacional, lembrem-se de que o Banco Nacional era um banco mineiro, com o Magalhães Pinto e a família lá. Aqui morava Zé Luís Magalhães Lins, que mandava, desmandava, financiava, comprava, vendia. Comprava coisas e financiava o Diário de Notícias, O Dia, o Jornal do Brasil, a TV Tupi, TV Excelsior, TV Tamoio, o que fosse era com o Zé Luís. Ele ficava branquinho, limpinho, em uma mesa sem um papel, uma mesa de vidro, sem gaveta. Ele tinha uma agenda. “Pois não, o senhor quer um milhão? Paga como? Ah, para dia 23.” Aí, ele ia para a página 23, escrevia: “Dia 23, pagamento.” Aí falava: “Procura o Juarez aqui embaixo.” Era o gerente do Banco Nacional de Minas, gerente de uma agência. Ele ligava: “Juarez, vai aí um amigo meu.” Ele fez papagaios, como a gente chamava empréstimo, promissória, para todos os jornalistas que escreviam alguma coisa no Rio de Janeiro ou todo colunista. Valia não pagar, mas tinha que ir lá e falar: “Olha, venceu o meu papagaio, a minha promissória, não vou pagar.” Ele: “Não se preocupe, meu amigo. Que dia você quer?” Com isso, ele ficou financiando o Diário de Notícias, O Jornal, Correio da Manhã, Jornal do Brasil, TV Tupi, Associados, um pedaço da TV Rio, TV Excelsior. Depois apelou para o Wallinho Simonsen, que botou dinheiro, aí entrou o governo, a PanAir.(89)
(88) José Luís Magalhães Lins é sobrinho do governador Magalhães Pinto.
89 A companhia aérea New York-Rio-Buenos Aires Line (NYRBA) foi criada em 1929 e passou a operar no Brasil em 1930. No mesmo ano a empresa foi comprada pela PanAm, que contava com subsídios do governo norte-americano, e passou a chamar-se PanAir do Brasil. A PanAir foi inovadora na aviação…
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O Wallinho Simonsen tinha a PanAir do Brasil, e comprou do Pipa do Amaral a TV Rio, com o Walter Clark, todo mundo lá dentro.90 Então, o que aconteceu?
L.H. – Você foi lá nesse cara, o Zé Luís.
E.C. – Eu fui ao Zé Luís. Eu fui lá por quê? Agora, precisamos ver. Eu estava contando a Senhor. Ele falou assim: “Não, vamos falar com o Zé Aparecido.” Que era, sempre foi o grande homem, o grande político do Magalhães Pinto. Até hoje… Ele foi acho que adido cultural em Portugal. O Zé Aparecido era um man about town, era um homem que sabia das coisas, que fazia tudo. “Você procura o Zé Aparecido para salvar a revista Senhor.” Antes disso, eu fui procurar o Juscelino Kubitschek, que estava no vinagre, no apartamento de um amigo dele, meio exilado ali no Leme. Eu fui lá, falei com Osvaldo Penido, que já conhecia do jornal, era o braço direito, era o Zé Dirceu do Juscelino, o Osvaldo Maia Penido. 93 Ele falou: “O presidente está repousando agora.” Ele estava em um apartamento estranhíssimo ali no Leme. O Juscelino sempre dormia de 1h da tarde até 4h, mesmo no Catete, mesmo em Brasília. E aparecia, barba feita: “Como vai?” Perfumado… E todo mundo falava: “Mas que charme tem esse presidente!” Ele dançava, cantava, bebia. Mas dormia invariavelmente. E quando eu cheguei lá, ele estava dormindo. Ele não era o presidente, já estava fora, estava no ostracismo. O Juscelino falou: “Posso fazer alguma coisa, mas não posso muito porque até você vir a mim…”
(89) …brasileira, tornando-se uma das maiores e mais tradicionais empresas do país. Até 1942, suas ações estiveram em poder dos controladores norte-americanos, que então começaram a vendê-las a brasileiros, iniciando um processo de nacionalização que se completaria no início da década de 1960, sendo acionistas majoritários Mário Wallace Simonsen e Celso da Rocha Miranda. Em 10 de fevereiro de 1965, o presidente da PanAir, Paulo de Oliveira Sampaio, recebeu um telegrama assinado pelo presidente Castelo Branco e pelo ministro da Aeronáutica brigadeiro Eduardo Gomes. No curto texto, as autoridades informavam que as concessões da PanAir estavam sendo suspensas e imediatamente transferidas à Varig. A prontidão com que a Varig assumiu as operações da PanAir foi apontada como indicativo de que poderia ter havido uma preparação prévia. Em 1984, os herdeiros da massa falida da PanAir ganharam ação movida contra o governo: a falência foi considerada fraudulenta pelo Supremo Tribunal Federal e a União, condenada a ressarcir a PanAir.
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) ABP – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROPAGANDA COELHO, Edeson Ernesto. Edeson Ernesto Coelho (depoimento, 2004). Rio de Janeiro, CPDOC, ABP – Associação Brasileira de Propaganda, Souza Cruz, 2005. Esta entrevista foi realizada na vigência do convênio entre CPDOC/FGV, a ABP – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROPAGANDA e a SOUZA CRUZ. É obrigatório o crédito às instituições mencionadas.