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Em agosto, Garrincha lembrara-se de pedir ao Botafogo o dinheiro das luvas que tinham sido acertadas em janeiro e que até então ele não fora buscar. Meses antes, em março, o Botafogo já o avisara de que o dinheiro continuava à sua disposição – e, mais uma vez, ele não se mexera. Um companheiro se espantara:
“São 3 milhões de cruzeiros, Mané!”
Ele parecia tão tranqüilo quanto desinformado:
“Ué! Mas não está no Botafogo? Então esta em boas mãos.”
Sem duvida. Mas o equivalente a 10 mil dólares em janeiro reduzira-se para menos de 7 mil em agosto quando ele resolveu ir pegá-los. E, naquele momento, o Botafogo não tinha esse dinheiro em caixa – para não deixá-lo parado, usara-o para saldar compromissos e ficara sem fundos. Garrincha achou um absurdo que o clube pagasse os outros com o seu dinheiro. Para resolver o problema, o Botafogo teve de pedir um empréstimo – a José Luiz de Magalhães Lins do Banco Nacional.
Magalhães Lins (Zé Luiz, como todos o chamavam) entrara na vida de Garrincha pouco antes, na volta da Copa, através de seus amigos comuns Armando Nogueira, Sandro Moreyra e Araújo Netto. Os três jornalistas achavam que, com o bi, Garrincha e Nilton Santos iriam valorizar-se e precisavam proteger seu dinheiro. Mais ainda Garrincha, cuja inocência no assunto parecia-lhes quase criminosa. As histórias que ele próprio lhes contava eram de arrepiar.
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Antes que a história se repetisse, convenceram Garrincha a recolher todo o dinheiro que tivesse em casa para aplicá-lo em ações sob a orientação de Zé Luiz. Garrincha topou. No dia combinado, acompanhado por dois funcionários do Banco Nacional, foi a Pau Grande pegar o que achasse.
Encontraram dinheiro em gavetas, fruteiras, enfiado em velhos exemplares de Mindinho e Reis do Faroeste, debaixo de outros colchões e até caído por trás do fogão. Havia cruzeiros, libras, francos, liras, pesetas, coroas suecas, florins holandeses, moedas de toda a parte onde o Botafogo jogara nos últimos anos, além de soles e bolivares que já tinham deixado de valer. Havia também inúmeros cheques jamais descontados e muitos, muitos maços de notas de dólar.
Garrincha meteu todo esse dinheiro numa caixa de sapatos, amarro-a com barbante e foi com os funcionários levá-lo ao banco na avenida Rio Branco com a rua do Ouvidor, onde ficava Zé Luiz. Ao adentrar o recinto parou o expediente – caixas, balconistas e clientes ficaram extáticos ao vê-lo ao vivo. E ninguém sabia o que ele trazia na caixa de sapatos.
Sua saudação ao ser apresentado a Zé Luiz foi a mais Garrincha possível:
“Olha aí, gente fina. Erva viva!”
Zé Luiz tinha trinta anos. Era sobrinho do governador mineiro Magalhães Pinto e o mais jovem banqueiro brasileiro. Era também o banqueiro mais popular entre os jornalistas, cineastas, teatrólogos e outros profissionais cronicamente duros, a quem emprestava dinheiro com um sorriso nos lábios. Nelson Rodrigues, Otto Lara Resende e muitos outros eram seus amigos pessoais. Mas sua carreira de banqueiro do futebol brasileiro estava apenas começando – e ele nem ao menos era Botafogo. Era América.
Feitas as contas e conversões, descobriu-se que, entre salários, bichos, prêmios, doações, cachês e outro dinheiros intocados, Garrincha tinha perto de 20 mil dólares – cerca de 200 mil dólares de 1995. …”
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Em outubro Garrincha consultou José Luiz de Magalhães Lins para saber se os rendimentos do dinheiro que este lhe pusera em aplicações chegavam aos 150 mil cruzeiros que o Botafogo lhe pagava. Se chegassem, estava disposto a largar o futebol. Zé Luiz desaconselhou-o. Garrincha era impaciente como investidor, não deixava suas aplicações quietas – vivia mandando vender ações e indo ao banco para sacar. E o uso que dava ao dinheiro nem sempre era dos mais sábios. Provou isso mais uma vez em novembro, quando trocou o Dauphine e o antigo Simca por um Karman Ghia azul. E ainda teve de entrar com dinheiro.
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Só que, depois daquelas entrevistas, o Botafogo tinha argumentos para ficar inflexível. Era a imagem do clube que estava em jogo. Se os paredros não o punissem depois de tudo que dissera, perderiam a moral. Os amigos de Garrincha na imprensa sabiam que nunca um jogador conseguira derrotar um clube e decidiram que era preciso promover a pacificação. E a única maneira de conseguir isso era por intermédio de um mediador respeitado e neutro – José Luiz de Magalhães Lins.
Zé Luiz aceitou o caso. Sua primeira providência foi afastar Garrincha e Elza front da guerra. Estavam sendo atacados nos programas de rádio, Elza tivera de desligar o telefone para não ouvir ameaças e a opinião pública voltar-se contra Garrincha por ter abandonado a família. A revolta contra ambos era assustadora. Tudo isso fortalecia a posição do Botafogo.
Zé Luiz tirou-os do Rio no dia 20 e instalou-os num sítio de seu primo José Sílvio Magalhães, dono da imobiliária Nova York. Ficava perto do subúrbio de Santa Cruz, na zona rural. Era um sitio modesto e ainda não explorado, sem luz e sem telefone. Tinha uma casinha de caseiro escondia entre coqueiros, uma horta, alguns cavalos e pouco mais. A cama era quase um catre, sem espaço para se virarem, mas eles não se importaram – dormiam quase dentro um do outro. Garrincha e Elza foram para lá sem saber quando voltariam. Seu exílio podia levar dois dias ou mesmo uma semana. Ficariam ilhados, sem rádio, televisão ou jornais. Sua única companhia seria a do caseiro, e só durante o dia.
No Rio, Zé Luiz escreveu uma carta ao Botafogo em que tentava uma solução elegante as duas partes.
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O produtor Luiz Carlos Barreto percebeu o equívoco logo na estréia de gala, na Maison de France, à qual Garrincha não compareceu: Garrincha, que lhe custara um empréstimo no Banco Nacional com José Luiz de Magalhães Lins, não seria um sucesso. E não foi.
A única pessoa que não teve prejuízo com o filme foi Garrincha. Desde o começo ficara acertado que ele receberia um cachê fixo e à vista, a ser pago por Barreto, o que foi feito. Não se previa que recebesse um percentual da renda, sempre difícil de ser calculada por causa da evasão de bilheteria. Além disso, depois de descontamos o empréstimo e os custos, Garrincha não teve lucro.
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Podiam ser os mesmos que volta e meia se juntavam em bandos para hostilizá-los. A diferença é que, desta vez, estavam armados e se diziam do DOPS. O DOPS não perderia seu tempo em Elza e Garrincha, mas aquela era uma época em que grupos de “voluntários” arrogavam-se o direito de entrar nas casas dos outros para procurar refugiados ou apreender material “subversivo”. Por aqueles dias, os apartamentos do banqueiro José Luiz de Magalhães Lins e do jornalista Otto Lara Resende tinham sido vasculhados por sujeitos em busca do deputado José Aparecido de Oliveira. Procuraram até debaixo das camas. O Exército e a Marinha também saíam para tais operações, embora supostamente tivessem de registrá-la no DOPS. Os homens que invadiram a casa de Garrincha e Elza podiam pertencer a qualquer um desses grupos, mas não deixaram registro escrito em nenhum órgão daquela época. E também não apresentaram cartões de visita.
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“… A turma da rua Miguel Lemos correu uma lista para ajudar Garrincha a pagar as despesas. E, na sua saída do hospital, um emissário de José Luiz de Magalhães Lins apareceu com um cheque de quatrocentos mil cruzeiros. Não era necessário, porque Elza já havia pago com um dinheiro que recebera da rádio Mayrink Veiga. Mas o emissário de Magalhães Lins insistiu em ressarci-la do mesmo jeito.
A oferta de Zé Luiz até que vinha a calhar. Ao subir as escadas de sua casa, amparado por Elza e Sandro Moreyra, Garrincha ficou sabendo que, pela insubordinação de ter-se operado com um médico de outro clube, o Botafogo o multara em sessenta por cento dos seus vencimentos.
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“… de egos para Havelange e recusara a chefia da delegação. Um dos cogitados para substituí-lo foi José Luiz de Magalhães Lins que não aceitou. Faute de Mieux, Havelange ofereceu-se para o sacrifício de comandar ele mesmo a seleção e trazer o caneco.
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Dirceu Rodrigues Mendes alegara que o pagamento da pensão fora interrompido em abril de 1967. Mas Pontes mostrou ao juiz recibos referentes a maio e junho de 1967, assinados por Dirceu – os únicos que Garrincha guardara, e mesmo assim por acaso. Poderia haver outros, mas Garrincha não era um homem que se preocupasse em guardar papéis. O tempo era curto para impedir sua prisão.
O mandado de prisão estava sendo datilografado na tarde daquele dia. O oficial de justiça já vestia o paletó para ir prender Garrincha quando um emissário de José Luiz de Magalhães Lins entrou na Sexta Vara e entregou ao juiz Áureo um cheque no valor de 2600 cruzeiros novos.
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