Gente que lê
Diário de Notícias – Porto Alegre
2 de novembro de 1963
José Luiz de Magalhães Lins é um banqueiro de muitas ousadias. Uma delas é a coragem de financiar editores, coisa que provoca calafrios nos seus colegas. Veio dele o dinheiro para Ênio Silveira lançar em edição de bolso, pela BUP, essa antologia de contos Norte-Americanos, que sem berros, é a melhor que já se lançou no Brasil, a começar pelo preço que é de apenas 450 cruzeiros, sem falar nos 20% de desconto da Feira do Livro.
Todas as antologias anteriores de contos norte-americanos, tiveram papagaiadas, inclusive uma dela plantou dona Edna Ferber no meio de uma companhia que a madame nunca fez por merecer. A BUP não cometeu nem esse pecado moral e nem outros veniais. Teve inteligência na escôlha e o resultado é uma seleção gostosa de ler, leve e agradável, dôce companhia para uma tarde de domingo o uma noite de chuva.
O livrinho abre com “Rip Van Winkle” de Washington Irving, traduzido por Monteiro Lobato, que tanto a Cultrix quanto a Martins tinham esquecido. Como não há jeito de fugir de Poe, lá está “O poço e o pêndulo”, agora com um novo encanto para o grande público porque já virou cinema. Herman Melville comparece com “A história de Town-Ho”, uma tecla meio gasta, mas afinal necessária. Boa lembrança foi incluir “A dama ou o tigre”, de Frank Stockton, em tradução de Dionélio Machado, até então só lembrado pelo Mistério Magazine da Globo.
Em seguida, a antologia apresenta “O noivado infeliz da Aurélia”, que se não é o melhor de Mark Twain, pelo menos é a novidade para o grande público, super cansado da rã saltadora e do elefante brando. Bret Hart é lembrado com “Os exilados de Poker Flat”, que em antologia chega a ser novidade. Como não há modo de fugir de Henry James, a BUP selecionou “Quatro encontros”, muito bem troduzido por Vinicius de Moraes. O inevitável. O Henry comparece com “A rosa de Dixie”, que consegue sobreviver a tradução de Raimundo Magalhães Junior.
Bom gosto foi incluir “A outra mulher” de Sherwood Anderson e “Loura e grandalhona” de Dorothy Parker. E ainda dentro da mesma linha estão “Visita noturna de um fantasma” de James Thurber. “O fantasma do hotel San Marco” de Ben Hecht. “Covardia” de Erskine Caldwel, “O pônei alazão” de Steinbeck e apesar dos pesares, “O ousado rapaz do trapézio suspenso” do Saroyan. A melhor lembrança foi “O diabo e Daniel Webster” de Stephen Vincent Benet, que como filme permitiu ao velho Walter Huston criar o melhor papel de sua carreira.
O danado foi repetir “uma rosa para Emily” de Faulkber e “Os bandidos” de Hemingway, dois contos que o leitor brasileiro já deve saber de cor: O mais fraquinho e indesculpável foi “Dois Méxicos” de Michel Gold, que só Deus sabe porque figura aí. Mas como toda a antologia tem sua Edna Ferber, até que passa. O que interessa é que no conjunto, a antologia passa de viagem por todas as colegas e oferece uma leitura gostosa, de fácil digestão para grandes e pequenos. Por sinal todas as outras estão atualmente pelo dobro do preço. E nêstes tempos bicudos, o argumento pesa uma tonelada.
Sérgio Jockyman