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“… entusiasmou tanto que decidi mudar meu projeto de estréia no longa-metragem. Adaptei só a primeira parte do livro, da escravidão na plantação de cana-de-açúcar até a chegada do Zumbi ao quilombo. Era um modo de eu conseguir filmar aquela história, pois tinha a locação de uma velha casa-grande colonial em Campos, os canaviais na periferia daquela cidade e o resto do filme todo se passando no meio do mato, sem que eu pudesse reproduzir a época, a não ser nos figurinos de escravos, o que seria muito fácil e barato. Esta sempre foi uma virtude do Cinema Novo à qual, ao longo dos anos, procurei me manter fiel: fazer o filme possível, sem idealizações, integrado à economia e às condições brasileiras.”
O principal financiador do filme foi o José Luiz de Magalhães Lins[4º], que era diretor do Banco Nacional de Minas Gerais…
[4º] José Luiz de Magalhães Lins e o Banco Nacional de Minas Gerais – Figura lendária da sociedade carioca e da vida nacional, José Luiz foi um banqueiro, uma das eminências pardas da política brasileira. A partir do governo João Goulart sugeria nomes de ministros, indicava presidentes para empresas estatais e palpitava nos rumos da política econômica. Amigo de todos os poderosos donos da mídia, segundo o jornalista Mário Sérgio Conti, ele falava diariamente com Roberto Marinho (dono de O Globo) e Nascimento Brito (Jornal do Brasil). Salvou a Rede Globo, o Jornal do Brasil e outras empresas da falência, arrumou compradores e vendedores para algumas delas, como o jornal O Dia. Em suas mãos o Banco Nacional transformou-se no segundo maior banco brasileiro. Sempre conectado com a cultura, segundo o escritor e jornalista Ruy Castro, “sem ele e seus empréstimos a perder de vista o Cinema Novo não existiria”. Zé Luiz emprestou dinheiro para o primeiro roteiro de Luiz Carlos Barreto: O assalto ao trem pagador, do diretor Roberto Farias. “Coincidiu que ele já tinha emprestado dinheiro para a produção de Vidas Secas, do Nelson, e estava fazendo o mesmo com Deus e o Diabo na terra do sol, do Glauber, e Os fuzis, do Ruy. Tínhamos que ter um avalista e só. Ele nos emprestava e a gente pagava depois com a renda dos filmes. O sistema dava certo: o José Luiz nunca sofreu inadimplência”, explica Cacá. O ex-banqueiro também ajudou a criar a editora Nova Fronteira, a Petite Galerie (que fez exposições lendárias na Praça General Osório), o Teatro Santa Rosa e o selo Forma (que reuniu grandes nomes da Bossa Nova), entre outros empreendimentos. Nascido em Minas Gerais em 1929, José Luiz começou a vida como datilógrafo e ingressou no Banco Nacional por intermédio de seu tio rico, Magalhães Pinto. Nos anos 70 foi afastado do banco pelos herdeiros de Magalhães. Foi também diretor-presidente do Banerj e conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, mas sua principal função continua, como disse o advogado Jorge Serpa, a de ser “o ausente mais presente no Brasil”.
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“… nessa época. Ele adorava cinema, aprovava o financiamento dos filmes sem procurar saber muito dos detalhes; dizia explicitamente que aprovava os projetos pela cara da pessoa, seguindo sua intuição. Mas a verdade é que ele nunca teve um cineasta inadimplente em seu banco, todos pagaram seus empréstimos, mesmo que às vezes demorassem. …”