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“ Aprovada a antecipação do plebiscito para 6 de janeiro de 1963 – o que ocorrera depois de o CGT parar o país exigindo a consulta popular – Samuel subiu a rua Icatu, no Humaitá. Para aquele endereço rumavam todos os que precisavam de dinheiro. Numa das últimas casas da ladeira, residia o banqueiro José Luiz de Magalhaes Lins, sobrinho do governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto, e presidente do banco da família, o Nacional. Casado com Nininha Nabuco, neta de Joaquim Nabuco, o jovem banqueiro gostava de se rodear de intelectuais duros, fazendo do mecenato uma profissão de fé. Ao mesmo tempo, financiava o Cinema Novo, acudia escritores, investia em arte moderna e socorria jornais. Segundo Otto Lara Resende, “o amigo certo de promissórias incertas”. Para Nelson Rodrigues, “Zé Luiz está num lugar que dá ao sujeito uma visão de Guerra e paz, de Balzac Proust”.
Samuel já era conhecido da casa. Visitava Magalhães Lins quase semanalmente, o que este retribuía sempre que havia um convescote na Marechal Mascarenhas de Moraes. “Ele tinha um mordomo, o Caruso. Fiquei amigo do Caruso, um grande personagem”, lembrava o milionário. Os dois, Wainer e Magalhães Lins, se conheceram através de Magalhães Pinto. “Um dia o meu tio me chamou e disse: quero que você conheça o Samuel Wainer. Contou-me que havia sido o primeiro jornalista a entrevistá-lo após o Manifesto dos mineiros. Guardara uma gratidão por conta disso, a publicação da entrevista em Diretrizes, em pleno Estado Novo.” A amizade se dera à primeira vista. “Fomos jantar na casa dele, ainda morava com Danuza, no Cosme Velho, e a noite durou até o dia amanhecer. A partir daí, ficamos próximos. Samuel e Etcheverry, de quem também fiquei amigo, adoravam me provocar. Mandavam-me livros marxistas, com bilhetes: “Segue esta obra para a nossa reunião.”
Na noite quente de fins de setembro, pouco antes das eleições, Samuel bateu à porta de Magalhães Lins com um objetivo: cooptá-lo para a campanha do “não” ao regime parlamentarista. “Ele era muito charmoso e elegante. Não era um sectário na política, não era da esquerda radical. Enxergava o mundo sabiamente, não tinha sectarismo e nem ódio de ninguém. Nunca, jamais, falou comigo do Carlos Lacerda.” Em 6 de janeiro, os brasileiros iriam às urnas e João Goulart tinha três meses para convencer o povo a segui-lo. “Eu falei para o Jango que a única pessoa que pode coordenar a campanha é você, que é ligado aos donos de jornais, aos jornalistas de política e tem acesso aos possíveis doadores”, disse Samuel.
“Não posso aceitar sem falar com o meu tio.”
“Deixa que falo com o Magalhães. Se ele der o sinal verde, você faz?”
“Faço.”
Pouco tempo depois, Samuel voltou à rua Icatu com a resposta positiva de Magalhães Pinto. Não fora tarefa complicada. Na reunião de governadores, que acontecera em Araxá, o mineiro já havia se posicionado a favor da consulta popular, seguido da maioria dos mandatários de estado. Lacerda declarara-se contra, embora também tivesse interesse na volta do presidencialismo. Era candidato em 1965. O plebiscito já estava sendo defendido até pela imprensa conservadora e ganhara a adesão da maioria do Exército, ante o fracasso do parlamentarismo. Com o aval do poderoso tio, Wainer convidou Magalhães Lins para uma viagem à Brasília. “O Jango me disse que não tinha dúvidas, que o presidencialismo ganhava, mas tinha medo que, como era uma eleição solteira e o voto não era compulsório, ninguém aparecesse para votar. Se o povo não aparecesse, estaria desmoralizado.”
Daí em diante, todo sábado, a dupla improvável, o jornalista de esquerda e o banqueiro de direita, batia ponto no novo apartamento de Jango, que se mudara da Rainha Elizabeth para o Edifício Chopin, na Avenida Atlântica. “Diga NÃO, vote certo’, diziam os cartazes espalhados pelo país, além dos jingles que martelavam nas rádios. Cinco agências de publicidade assumiram a tarefa de convencer os brasileiros a saírem de casa. Num dos encontros no Chopin, o presidente deu uma sugestão: por que não pichavam todos os muros do Brasil, sem deixar de fora nenhum rincão, usando a turma do Sindicato dos Correios? Não seria difícil conseguir a preciosa adesão, já que Luís Carlos Prestes, a quem obedecia a direção do sindicato, estava em campanha pela causa do presidencialismo. Segundo Magalhães Lins: “Compramos 10 mil baldes, 10 mil brochas e 10 mil latas de cal. Passados quinze dias, o Brasil estava todo pintado. Eram diversas frases feitas, o país inteiro NÃO”.
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“ Alguns dias antes da posse, Samuel viajara para Brasília, na companhia de Magalhães Lins, para um almoço no Alvorada, onde Jango se instalara com a família. Deparou com Maria Thereza amargurada: aquele palácio disforme nem com todo seu esforço poderia ser transformado num lar. Mil vezes preferia ter ficado na Granja do Torto. Na piscina estavam, além do presidente, Evandro Lins e Silva, ocupante da Casa Civil, e Darcy Ribeiro, então responsável pela elaboração do Plano Nacional de Educação, outro carro-chefe do governo. No encontro, que atravessaria a noite, surgiu pela primeira vez o nome do lobista cearense que se tornaria o homem de confiança de Roberto Marinho: Jorge Serpa. Wainer ainda não o conhecia pessoalmente – nem sabia o quanto compartilhariam nos tumultuosos meses por vir.
“Jango havia tirado o dia de folga para nos receber. Caminhando em direção à piscina, ele me perguntou: qual a sua impressão do Jorge Serpa?”, contaria Magalhães Lins. “Estão me trazendo recados que ele quer falar comigo. Eu disse: o senhor deve recebê-lo.”
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“Na redação da Sotero dos Reis, Samuel recebeu um telefonema de Jorge Serpa. Com o aval de Magalhães Lins, Serpa já transitava com desenvoltura nos porões do governo…”
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“De um jeito ou de outro, dois dias depois o colunista já estava de volta à redação da Sotero dos Reis, com a intermediação de Magalhães Lins…”
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“‘O detalhe do 1 milhão de dólares eu me lembro muito bem. Cheguei a ver o talão de cheques”, contaria José Luiz de Magalhães Lins o que Walter relataria nas memórias. “Foi uma semana muito pesada para todos nós. Falei diversas vezes com Samuel. Os políticos, os empresários, as pessoas de sociedade, todo mundo o procurava para pedi-lo para segurar o João Goulart. A gente via que o negócio ia desandar’.”
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“O país vivia “aos jangos”, como dizia Antonio Callado, então redator do JB. No meio da tarde, chegou de Minas Gerais um petardo, atirado na praça pelo tio de Magalhães Lins, Magalhães Pinto: “Se, por influência de inspirações estranhas e propósitos subversivos, são comprometidas a hierarquia e a disciplina, sem as quais elas não sobrevivem, têm as Forças Armadas não só o direito como, também, o dever de pugnar pela sua própria integridade, pois, de outra maneira, não cumprirão o pesado e glorioso destino que a Constituição lhes assinala.”
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“De madrugada Mourão ligara para o deputado Armando Falcão, o fio golpista no Congresso, informando-o da marcha. Falcão, por sua vez, telefonara para Castelo Branco. Apanhado de pijama, o chefe do EME disparou telefonemas sem saber ainda se empurrava a insurreição para a frente ou tentava freá-la. Na dúvida, ligou para a casa de José Luiz de Magalhães Lins. “Por volta das quatro da manhã”, lembraria o banqueiro. Ouviu do general a ordem para que fosse imediatamente ao seu apartamento, no Leblon. Não era assunto para telefone. “Castelo disse para eu falar com o Magalhães para recuar, voltar para os quartéis. Fui para casa e liguei para BH. Eu disse: ‘O Castelo Branco pediu para o senhor recuar”. Ele respondeu: ‘Não tem mais condição. As tropas já chegaram a Três Rios’.”
Samuel não dormiu mais. Ficara inquieto após a breve conversa com Jango. “Ligou-me pelo menos umas três vezes aquela manhã, preocupado. Eu nada ou pouco podia comentar”, recordaria Magalhães Lins. Ainda cedo as notícias do levante em Minas começaram a se espalhar, aos cacos, um quebra-cabeça. Com o correr do relógio, boatos iam virando mercadoria, correndo ligeiros e instaurando o alerta. Nas escolas, as crianças eram mandadas para casa. Nas ruas, transeuntes se amontoavam nos cafés para ouvir os boletins das rádios. Segundo o sobrinho de Magalhães Pinto, para o seu escritório, no centro da cidade, dirigiu-se uma romaria. “Cheguei no banco com o dia clareando. Direto da casa do Castelo [Branco]. O Roberto Marinho estava na minha sala. Tinha ido lá para saber.”
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“…”Não sobrou praticamente nada das gráficas”, lembraria Danuza, que agora passaria a ter no seu nome 100% das ações. Aliás, ela aproveitou a viagem para resolver outra questão. Esta, muito pessoal, marcando um encontro com José Luiz de Magalhães Lins. Diferentemente de todo mundo que subia a rua Icatu, não foi pedir dinheiro. Mas um favor: que o magnata entregasse, sem mencioná-la, aos filhos de Antonio Maria – Maria Rita e Antonio Maria Filho- todas as suas economias. “Perguntei: por que eu?”,comentaria Magalhães Lins. “Porque o senhor é banqueiro, rico, respeitado […]. No dia seguinte, liguei para os filhos do Maria e pedi que eles fossem ao banco […} […] e acabei arrumando um emprego para o filho do Antonio Maria no Globo. Eu pedi ao Evandro [Andrade] e ele colocou o rapaz lá. Depois, a moça eu coloquei no banco.”
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“…Teria ele telefonado para Jango de Paris para confirmar? Que certeza absoluta era aquela? Nunca se soube. Sobre o trato com Serpa, Magalhães Lins corroboraria a tese de Wainer: “Eu tinha visto o talão de cheques”.
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“O banqueiro José Luiz de Magalhães Lins bem se lembraria da aflição: “Um dia ele veio a minha casa jantar. Nós nos sentamos na varanda. Eu falei: ‘’ “.Acho que você deve vender. Os militares não vão te deixar em paz